domingo, 6 de junho de 2010

Suave

a Chico Flores

A sombra da morte me acompanhou na rua.
Passou na minha frente,
soltou um bafo quente,
rangeu dente por dente.
Me seguiu em cada direção.
Eu lhe disse que não.

A sombra da morte percorreu minhas entranhas.
Entrou pelos ouvidos,
fez mil e um zumbidos,
atazanou meus sentidos.
Quase parou meu coração.
E eu lhe disse que não.

A sombra da morte colou atrás de mim;
ia comigo até o fim.
Prometeu um atrito,
fez todo um agito,
redisse o já dito,
quis me deixar aflito...
Mas fugiu com meu grito.

domingo, 7 de março de 2010

Todo mundo é filósofo

Filósofo não tem só na Grécia
Filósofo não tem só na Alemanha

Todo mundo é filósofo

Todo mundo que canta
Todo mundo que pensa
Todo mundo que opina
Todo mundo que sonha
Todo mundo que soma
Todo mundo que ouve
Todo mundo que sorri e chora
Todo mundo que um dia vai embora

Todo mundo é filósofo

Não precisa de diploma
Não precisa escrever
Só precisa parar e pensar
Só precisa refletir
Nem precisa o cara agir

Todo mundo é filósofo

Filósofo não é só Platão
Filósofo é Gonzaguinha e Gonzagão
Filósofo é Machado de Assis e Nildão
Filósofo é você
Filósofo sou eu
Filósofo que entende que não entendeu
Filósofo é Nietzsche
Filósofo é Pitty
Filósofo é Freud
Filósofo é meu amigo debilóide
Filósofo é meu amigo lá do norte
Filósofo é meu amigo lá do sul
Filósofo é Aleister Crowley e Raul
Filósofo é meu amigo lá da roça
Filósofo é meu amigo que curte bossa
Filósofo é Maria, João e José
Filósofo é Pedro Pondé
Filósofo é Jorge Amado
Filósofo é Irmão Carlos & O Catado
Filósofo é meu amigo metalúrgico
Filósofo é Sócrates e Zeca Baleiro
Filósofo é meu amigo sapateiro
É meu amigo madeireiro
Filósofo é meu amigo padeiro


Todo mundo é filósofo

Tem um filósofo nadando na piscina
Conheço um filósofo ali na esquina
Aquela senhora que diz que a vida é bela
Ou o católico que acende a vela
O cara que disse que trabalho não enriquece
O outro que disse que trabalho indignece
Aquele fulano passional que diz que é preciso aproveitar a vida
Você que concordou com ele porque ela é uma só e tem que ser vivida
Aquele negro consciente que disse que o país é racista
Aquela feminista que disse que o mundo é sexista
Aquele defensor dos animais que te chamou de especista
Aquele sacerdote que diz que o bem sempre vence o mau
Aquele crítico que interpreta as letras do Cannibal
Filósofo é o próprio Cannibal
Aquele cara que diz que um dia vai ser milionário
Filósofo também é aquele reacionário

Todo mundo é filósofo

Filósofo não é sempre seguidor
Não precisa ir atrás de Locke, Marx ou Rousseau
Não é só quem no vestibular de filosofia passou

Todo mundo é filósofo

Todo mundo pensa sobre a vida
Todo mundo tem uma ferida
No fruto proibido, todo mundo já deu uma bela mordida

Arthur M. Vargens

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A saga da Arte

Arte nasceu não na segunda, mas na primeira-feira
e vai morrer não numa sexta, mas numa sétima-feira
Assim é quem já foi subversivo e perigoso.
E ela foi. Ora se foi!
Foi negada,
foi ofendida,
foi expulsa,
foi torturada,
foi assassinada.
Sim, ela foi. Ora se foi!
Mas é tão forte que voltou e volta em mil encarnações.

Arte muda vida, muda o mundo.
Muda as coisas em um segundo.
Arte é esperta,
dribla a todos que por ela passa,
dá um jeito e se encaixa
na vida de qualquer um.

Arte um dia talvez tenha sido uma só,
o espírito dela agora são dois.
Agora são almas gêmeas, da mesma origem.
Não sabem ou negam suas raízes,
apenas brigam.
Elas se socam e se descabelam,
e se arranham,
e se empurram,
e se xingam...
Fazem guerra.
– Você não é arte – uma delas berra.
– Você que não é – a outra esbraveja,
e as duas rolam na terra.

Às vezes temos a impressão de que arte é louca,
de que Arte é vazia,
de que Arte é chocha,
de que Arte é chata,
de que Arte é chula,
de que Arte é ultrapassada.
De que Arte é o quê mesmo?
De que arte está falando?
Não seria arte clássica
ou a arte do malandro?

Arte está aí,
quem quiser pode vir.
Ela é de todos e de ninguém.
Sabe disso quem a conhece bem.

Arthur M. Vargens

sábado, 5 de setembro de 2009

Naftalina

Naftalina
Sua casa agora é naftalina
Tem naftalina em toda a casa
Em toda a casa, naftalina

Naftalina nas gavetas, no balde, no canto
No armário, na escrivaninha, debaixo do santo
Naftalina no baú e no balde... de lixo
Lixo da cozinha, lixo do banheiro, lixo do quintal
Naftalina em tudo o que é de plástico, de pano, de pau

Naftalina, naftalina
Sua casa cheira a naftalina
Sua roupa cheira a naftalina

Vai afugentar as baratas
As mariposas também
E as aranhas, as lacraias
Todas elas pro além
Naftalina no armazém

Naftalina
Seu mundo cheira a naftalina
Sua vida cheira a naftalina

Tem naftalina em todo canto
Embaixo da cama, da cômoda
E embaixo do sofá, naftalina é o que há
E tudo cheira a naftalina
A parede, o teto, o chão
Seu travesseiro, seu lençol, seu colchão

Naftalina
Seu mundo agora é naftalina
Tudo cheira a naftalina

Naftalina, insulina, nitroglicerina

Arthur M. Vargens

sábado, 22 de agosto de 2009

Em tempo presente

Agora cantarei ao anoitecer
porque os suspiros da noite são os aspiros do próximo dia.

Fugirei para a vida ao anoitecer,
para a paisagem que já criei,
mas que não há em matéria...
ainda...
que não há, também, na realidade de meus companheiros de mundo, de vida, de existência.

Estes, certamente diriam que estou caduco,
me entupiriam de entorpecentes,
me acorrentariam,
veriam em mim o perigo, o inimigo.

Não!

Cantarei ao anoitecer.
Porque a noite espera um novo dia.
Porque as esperanças que são minhas
aguardam um novo dia
para viajarem por outra via.

Arthur M. Vargens

Pois é, Borat...

Olhar pra frente e ver atrás
Washington, London, La Paz
Bahia, Acre, Minas Gerais
Que diferença faz?

Austrália, Europa
Sudeste, Nordeste
Tudo a mesma peste

É tudo igual
Na zona urbana ou na rural
São Paulo, Recife, Natal
No Distrito Federal

Tudo igual
Dá no mesmo a capital
Dá no mesmo o interior
Itabuna, Salvador
Seja lá onde for

Tanto faz se é ali na esquina
Tanto faz se é lá na China

Dá no mesmo, tanto faz
Olhar pra frente e ver atrás

Arthur M. Vargens

terça-feira, 2 de junho de 2009

Científico

Desenhei um ponto de interrogação na areia da praia
As nuvens desenharam no céu, eu vi
Desenhei no coqueiro e no coco
No copo que eu bebi

Fiz um ponto de interrogação em mim
Em minha testa, em minha boca
Em minha barriga, em minhas costas
Em minha pica, em minha bunda
Em meus pés, na sola, no dedo, na unha

Botei um ponto de interrogação em minha casa
Na frente e nos fundos
Em meu teto, em meu chão, nas paredes, no colchão
Na janela, na porta, pia, vaso e chuveiro
No quintal, na sala, no banheiro
Vários pontos de interrogação no meu espelho

Risquei um ponto de interrogação em tudo
No céu, no mar, nas árvores
Na pedra, na terra, no vidro, no ferro
Desenhei no ar
E cada ponto que desenhei
Ainda hoje eu vejo lá

Arthur M. Vargens